Relevância.
Acordei. Não levantei. Não pensei. Não abri os olhos. Só
acordei.
Estava difícil de distinguir o que era sonho e o que não
era. Abri os olhos.
Tudo estava irritantemente fora do lugar. O pufe estava mais
pra direita; a televisão, sobrenaturalmente, envergada para a esquerda; os óculos
estavam um pouco mais a frente do abajur do que de costume... Ah, sim! Estiquei
a mão fazendo o mínimo de esforço possível, agarrei os óculos, fechei os olhos,
e coloquei-os.
Abri os olhos. Tudo estava irritantemente em seu devido
lugar. O pufe em sua posição normal; a televisão, naturalmente, pregada na
parede; os óculos em meu rosto.
Levantei. Fui até o banheiro. Não entrei. Parado à porta
percebi que não havia mais papel higiênico. Decidi apenas lavar o rosto.
Lavei o rosto. Parei à frente do espelho. Contemplei meu
semblante calvo. Desisti da apreciação.
Caminhei pelo longo corredor até a sala. Desejei um bom-dia
à minha mulher. Menti. Sentei-me à mesa. Notei a ausência da manteiga. Decidi
poupar-me do esforço de perguntar o porquê de sua falta. Decidi, também,
poupar-me do esforço de ouvir uma resposta óbvia e mal construída.
Terminei o café. Deitei no sofá. Liguei a televisão. Ouvi em
silêncio as notícias do primeiro bloco do jornal matinal. Tudo muito relevante.
Minha esposa se juntou a mim assim que o comercial nos deixou. A ouvi tagarelar
sobre o seu dia anterior. Tudo muito relevante.
Percebi que seu nobre monólogo tinha chegado ao fim. Dirigi-me
até o quarto. Não entrei. Notei que ela vinha atrás de mim. Dirigi-me ao
banheiro. Tomei banho.
Decidi me deitar. Não iria dormir, apenas descansar. Encontrei-me
numa profunda análise sobre o jogo de quarta-feira. Tudo muito relevante. Minha
mulher entrou no quarto. Começou a guardar as roupas no armário. Mais irritante
impossível. Deixou-me sozinho alguns minutos depois. Achei melhor pegar no sono
antes que ela voltasse. Dormi.
Acordei com um raio de sol batendo em meu rosto. Abri os
olhos e me encontrei no cubículo semi-escuro de sempre. Devido à claridade
daquele único raio de sol que transpassava pela janela com grades pude ver um
camundongo passando por mim.
Ainda bem. Tudo tinha sido apenas um sonho.