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sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Onomatopeia

Quando não consigo mais respirar
E tudo que eu penso não penso

E minhas mãos tremem
E minha cabeça dói
E minha garganta vai se fechando com o ar comprimido no meu pulmão

Minhas unhas começam a rasgar o escuro
Mas o veludo negro nunca toca a minha derme

E não importa o quanto o meu interior se debata
Nada no meu físico funciona a ponto de me fazer sentir calor

E eu continuo deitada no grafite
Tentando inutilmente desenhar alguma coisa

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Relevância.


Relevância.


Acordei. Não levantei. Não pensei. Não abri os olhos. Só acordei.
Estava difícil de distinguir o que era sonho e o que não era. Abri os olhos.
Tudo estava irritantemente fora do lugar. O pufe estava mais pra direita; a televisão, sobrenaturalmente, envergada para a esquerda; os óculos estavam um pouco mais a frente do abajur do que de costume... Ah, sim! Estiquei a mão fazendo o mínimo de esforço possível, agarrei os óculos, fechei os olhos, e coloquei-os.
Abri os olhos. Tudo estava irritantemente em seu devido lugar. O pufe em sua posição normal; a televisão, naturalmente, pregada na parede; os óculos em meu rosto.
Levantei. Fui até o banheiro. Não entrei. Parado à porta percebi que não havia mais papel higiênico. Decidi apenas lavar o rosto.
Lavei o rosto. Parei à frente do espelho. Contemplei meu semblante calvo. Desisti da apreciação.
Caminhei pelo longo corredor até a sala. Desejei um bom-dia à minha mulher. Menti. Sentei-me à mesa. Notei a ausência da manteiga. Decidi poupar-me do esforço de perguntar o porquê de sua falta. Decidi, também, poupar-me do esforço de ouvir uma resposta óbvia e mal construída.
Terminei o café. Deitei no sofá. Liguei a televisão. Ouvi em silêncio as notícias do primeiro bloco do jornal matinal. Tudo muito relevante. Minha esposa se juntou a mim assim que o comercial nos deixou. A ouvi tagarelar sobre o seu dia anterior. Tudo muito relevante.
Percebi que seu nobre monólogo tinha chegado ao fim. Dirigi-me até o quarto. Não entrei. Notei que ela vinha atrás de mim. Dirigi-me ao banheiro. Tomei banho.
Decidi me deitar. Não iria dormir, apenas descansar. Encontrei-me numa profunda análise sobre o jogo de quarta-feira. Tudo muito relevante. Minha mulher entrou no quarto. Começou a guardar as roupas no armário. Mais irritante impossível. Deixou-me sozinho alguns minutos depois. Achei melhor pegar no sono antes que ela voltasse. Dormi.
Acordei com um raio de sol batendo em meu rosto. Abri os olhos e me encontrei no cubículo semi-escuro de sempre. Devido à claridade daquele único raio de sol que transpassava pela janela com grades pude ver um camundongo passando por mim.
Ainda bem. Tudo tinha sido apenas um sonho.

sábado, 9 de junho de 2012

Sereias sempre voltam para a Imensidão


Abaixei-me para que pudesse ficar mais próximo do meu destino, e ela, gentilmente, nadou até mim em retribuição.
-Suspeito que te perdi para água. –disse-lhe sorrindo.
-Sempre sucumbimos às atrações dos primeiros amores.
“Zombeteira como sempre”, pensei, “e como, suplico aos céus, que nunca deixe de ser”. Puxou-me pela nuca e beijou meus lábios, ela, por dentro era tão pura e profunda quanto poderia ser por fora. Os pensamentos esvaiam-se de minha mente, e eu me sentia indo cada vez mais profundo em sua imensidão; até que fui atingido por um jato d’água, abrindo meus olhos instintivamente (e fechando-os tão rápido quanto o primeiro gesto), percebi que era meu corpo que mergulhava de encontro a ele.
Senti-me emergindo, com seu leve toque em minha pele, e antes que pudesse protestar senti seus braços abrangendo minha singela imensidão corpórea, e seus lábios sussurram em meu ouvido:
-Gosto d’água, pois me sinto nadando em seus olhos.
Pra sempre ela seria minha sereia de água doce.

terça-feira, 22 de maio de 2012

ai ai...


Tenho medo de ser apedrejada por um sorriso um sorriso obsceno
Tenho medo de ser reprovada por um cosseno
Tenho medo de ser queimada (viva) por uma teoria
Tenho medo de não agüentar o peso de mais um pensamento
Tenho medo de ficar calada e ter palavras arrancadas

Não tenho medo de dizer que quero se filósofa (quem sabe?)
Não tenho medo de dizer que não conheço Froide
Não tenho medo de dizer que não sei escrever “exeção”
Não tenho medo de dizer que não sou esperta o bastante para escrever mais um verso.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Trigonometria



Trigonometria

As chamas frias fazem minhas mãos latejar
Sua risada cínica ecoa em meus ouvidos ensanguentados

Atrás dele há algum dizer
"Ele quer que eu anote, oh sim, ele quer"

Como poderia?
Meu tato reluta, minhas mãos ardem

A resquícios daquela ditadura...
"Oh, não!"

Meu ventre pulsa em repugnância
"Não há vida nesse testamento, não há"

Ele simplesmente bate seu tridente
E deixa sua coroa de espinhos cair

Sua gargalhada cada vez mais alta
E meu desespero segue seus passos

Para sempre pagarei,
Para sempre...